A regulamentação da Reforma Tributária dividiu o setor de bebidas e opôs duas paixões brasileiras: a cerveja e a cachaça. O embate entre cervejarias e produtores de destilados intensificou o debate sobre o Imposto Seletivo, criado para tributar produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente e apelidado de “imposto do pecado”.
As cervejarias defendem a manutenção da tributação atual, onde a carga tributária aumenta com o teor alcoólico. Desde 2015, com mudanças no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), elas pagam menos impostos que os destilados.
Por outro lado, os fabricantes de destilados querem aproveitar a oportunidade para equilibrar a tributação com as cervejas, defendendo igualdade de condições no mercado. Nessa disputa, destilados como cachaça, uísque, vodca, gin e tequila se uniram para pleitear condições tributárias equivalentes.
Citação da OMS
O confronto, que vinha se intensificando nos bastidores com trocas de acusações sobre manipulação de dados e “golpes baixos”, terá um novo capítulo público na próxima semana, quando as cervejarias lançarem a campanha “Nada como uma cerveja”. A proposta é destacar por que as cervejas, com teor alcoólico entre 4% e 7%, não devem ser equiparadas aos destilados, que geralmente têm entre 35% e 55% de álcool.
A campanha responde ao lema “Álcool é álcool”, adotado pelo setor de destilados para convencer legisladores e o governo de que a questão não é o teor alcoólico, mas sim a quantidade consumida. Inspirado em uma abordagem global, o setor da cachaça e outros destilados reforçam essa iniciativa com o conceito de “dose certa”, defendendo o consumo consciente, independentemente da bebida.
Nesse embate cada vez mais acirrado, as cervejarias utilizam como argumento a posição da Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomenda uma tributação proporcional ao teor alcoólico como estratégia para promover a saúde pública. A OMS, referência em diretrizes médicas e sanitárias globais, defende que a tributação deve ser ajustada conforme o teor alcoólico da bebida, uma lógica que diversos países desenvolvidos já incorporaram em seus sistemas tributários, conforme destacam as cervejarias.
“Não estamos buscando privilégios. Queremos manter o modelo atual, que segue padrões internacionais”, diz Márcio Maciel, presidente do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), que representa grandes produtores como Ambev, Heineken e Therezópolis, responsáveis por mais de 80% da produção de cerveja no país.
Do lado dos destilados, o argumento é diferente. Eles afirmam que uma alíquota reduzida para cerveja acaba favorecendo sua venda em relação a outras bebidas, impactando o consumidor sensível ao preço e de renda limitada. Além disso, embora os destilados representem apenas 5% do mercado, o consumo de cerveja é tão alto que a cerveja se torna o maior contribuinte para os danos à saúde.
“Proteger a bebida que domina o consumo é ineficiente no combate ao consumo excessivo. Criam uma narrativa enganosa ao sugerir que a cerveja seria mais saudável. A quantidade de álcool por dose é similar entre destilados, cerveja e vinho”, afirma Eduardo Cidade, presidente da Associação Brasileira de Bebida Destilada (ABBD), que inclui marcas como Bacardí, Diageo e Pernod Ricard.
Temor
Nas últimas semanas, o setor de destilados fortaleceu sua posição com o apoio de uma recomendação do Conselho Nacional de Saúde, que defendeu a tributação mais elevada para produtos como álcool e cigarro, mas sem variação por teor alcoólico, observando que tal medida reduziria o impacto sobre a cerveja, responsável por 90% do consumo de álcool no país.
Além das preocupações com a saúde pública, ambos os lados temem possíveis perdas financeiras com a Reforma Tributária. Os destilados buscam competitividade, alegando que já enfrentam restrições publicitárias. Por outro lado, as cervejarias receiam que uma alíquota única possa elevar seus impostos, o que impactaria significativamente uma indústria que movimenta cerca de R$ 80 bilhões anuais.
Especialistas observam que as cervejarias possuem uma vantagem estratégica: como produtos fabricados no país, podem atrair o apoio de um governo focado no incentivo à produção nacional. Os destilados, em sua maioria importados, já estão em contato com o Ministério da Fazenda e o Palácio do Planalto para enfatizar a importância do setor para bares, restaurantes e eventos locais.
Fonte: Exame